quarta-feira, 23 de março de 2011

A Suscitação de Dúvida em face dos Títulos Judiciais

Um tema corrente na prática registral é o da Dúvida ex officio dos mandados judiciais que determinam a prática de atos registrais como o registro de penhoras, arrestos e sequestros, transferência de domínio e outros, toda vez em que tais atos importarem em violação aos princípios registrais.

Não é raro o registrador se deparar com ordens judiciais impossíveis de cumprimento, por exemplo: ordem de penhora de imóvel que não existe junto ao RGI; transferência de domínio daquele que não é dono; registro de sentença de usucapião de unidade autônoma de condomínio horizontal que não existe; usucapião de loteamento que não foi aprovado; transposição de registro lançado em Títulos e Documentos para o Registro de Imóveis; determinação de averbação de ato sujeito a registro; registro de cessão de direitos hereditários em Registro de Imóveis; determinação de registro de direito de ocupação no Registro de Imóveis; abertura de matrícula com base em título que não especifica a área, medidas e confrontações do imóvel; usucapião de terreno de marinha; e por aí vai.

Em tais situações, o registrador deve prenotar o mandado, colocá-lo em exigência e oficiar o juízo que determinou a ordem. O juízo provavelmente intimará a parte para cumprir as exigências apontadas pelo registrador.
 
Mas e se as exigências cartoriais não forem cumpridas e a ordem contida no mandado for reiterada? O que deve o registrador fazer? A resposta é simples: deve o registrador submeter a questão ao conhecimento de seu juízo corregedor permanente ex officio. Isso mesmo! deve levantar Dúvida independentemente de requerimento.

Entendo que tanto os títulos judiciais (assim entendidos os mandados de penhora, cartas de adjudicação e arrematação, cartas de sentença, formais de partilha et coetera), como aqueles produzidos pelas partes em forma pública ou particular, quando apresentados a registro ou averbação, encontram-se sujeitos, indiscriminadamente, ao chamado exame de qualificação, devendo o Serviço Registral Imobiliário, em defesa da integridade e segurança jurídica, verificar acerca da registrabilidade do título no que pertine ao seu aspecto formal. Perfilhando desse meu entendimento, são inúmeros os precedentes:

 REGISTRO DE IMÓVEIS. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. A DECRETAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO SÓ DÁ POR INEFICAZ A ALIENAÇÃO DO BEM EM RELAÇÃO AO EXEQUENTE, SEM A PRODUÇÃO DE EFEITOS “ERGA OMNES”. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRÁRIA. RECURSO PROVIDO, PARA QUE A DÚVIDA SEJA JULGADA IMPROCEDENTE. (Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, D.O. 28.11.2007)

REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA INVERSAMENTE SUSCITADA. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE, ANTE A CITAÇÃO, NA AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, DOS HERDEIROS DO CO-PROPRIETÁRIO FALECIDO, BEM COMO DOS DEMAIS TITULARES DOMINIAIS TABULARES E SEUS CÔNJUGES. ADEMAIS, DECISÃO PROLATADA NA ESFERA JURISDICIONAL JÁ ANALISOU ESPECIFICA E EXATAMENTE TAL QUESTÃO, DANDO-A POR SUPERADA. AVERBAÇÃO RELATIVA AOS CÔN ADMISSÍVEL O INGRESSO AO FÓLIO DA CARTA DE SENTENÇA. (CSM/SP, D.O. 07.03.2008)

REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA INVERSAMENTE SUSCITADA. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA LEVADO A REGISTRO. POSTERIOR PROMESSA DE CESSÃO REALIZADA POR UMA DAS DUAS COMPROMISSÁRIAS-COMPRADORAS, EM PROL DA OUTRA, MEDIANTE ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. ADMISSÍVEL O INGRESSO AO FÓLIO DA CARTA DE SENTENÇA DELE DECORRENTE. (CSM/SP, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

REGISTRO DE IMÓVEIS. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. CERTIDÃO DE PENHORA. INVIABILIDADE DO REGISTRO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE. NECESSIDADE DE PRÉVIO ACESSO AO FÓLIO DO COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA CELEBRADO PELO EXECUTADO, QUE, PARA TANTO, DEVE SER EXIBIDO EM SUA VIA ORIGINAL. DÚVIDA PROCEDENTE. (CSM/SP, D.O. 29.01.2008)

REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA PROCEDENTE. MANDADO DE PENHORA DE ÁREA REMANESCENTE DE IMÓVEL OBJETO DE TRANSCRIÇÃO IMOBILIÁRIA. TÍTULO JUDICIAL QUE NÃO É IMUNE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. IMÓVEL PRIMITIVO QUE SOFREU VÁRIOS DESTAQUES (PARTE EXPROPRIADA, PARTE VENDIDA, PARTE DOADA), DESFIGURANDO-O. NECESSIDADE DA PRÉVIA APURAÇÃO DO REMANESCENTE PARA O INGRESSO DO TÍTULO JUDICIAL NO FÓLIO REAL, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DE ESPECIALIDADE OBJETIVA. (CSM/SP, D.O. 28.11.2007)

REGISTRO DE IMÓVEIS. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. A DECRETAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO SÓ DÁ POR INEFICAZ A ALIENAÇÃO DO BEM EM RELAÇÃO AO EXEQUENTE, SEM A PRODUÇÃO DE EFEITOS “ERGA OMNES”. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRÁRIA. (CSM/SP, D.O. 28.11.2007)

REGISTRO DE IMÓVEIS – TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA – MANDADO DE PENHORA – INVIABILIDADE DO REGISTRO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE (CSM/SP, DLI nº 12 - ano:2007)

Depois de muita discussão, a Terceira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança n. 9.372-SP, extirpou as dúvidas que remanesciam quanto à possibilidade da suscitação de dúvida ex officio em face de títulos judiciais, senão vejamos:

Recurso em Mandado de Segurança. Registro de imóvel. Ação de Divisão. Suscitação de Dúvida. Cabimento.
I – Tendo em vista os princípios da disponibilidade, especialidade e continuidade que norteiam os registros públicos, assegurando-lhes a confiabilidade dos mesmos, pode o Oficial do Registro suscitar dúvida, independentemente de ser título judicial ou extrajudicial.
II – Não preenchidos os requisitos exigidos para a pretendida transcrição no Registro de Imóveis, inexiste o alegado direito líquido e certo a ser amparado pelo mandamus.
III – Recurso em mandado de segurança desprovido. (GRIFOS NOSSOS)

Em seu voto condutor, o relator do aresto acima ementado, o Eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, citando os ensinamentos de Maria Helena Diniz (In Sistemas de Registro de Imóveis) e Avelino se Barbosa (Títulos Judiciais no Registro de Imóveis), assim consignou, in verbis:

Maria Helena Diniz afirma que “o procedimento registrário é de inteira responsabilidade do Cartório e do serventuário, que deverá examinar os títulos apresentados, extrair elementos para a matrícula e observar rigorosamente todas as exigências legais para que se possa fazer o assento do título que lhe foi exibido.” (In Sistemas de Registro de Imóveis, pág. 243).

Avelino se Barbosa, em seu livro “Títulos Judiciais no Registro de Imóveis” também sustenta: “Todas as providências euremáticas que, em razão do cargo, são exigidas do oficial visam contribuir para a segurança e eficácia jurídica dos atos ou negócios registrados. Por isso, quanto à função qualificadora, o ordenamento jurídico não faz distinção entre títulos públicos, judiciais e extrajudiciais, e títulos particulares.

No pertinente aos títulos originados em sede judicial, o registrador imobiliário não pode omitir-se de efetuar o devido exame e conseqüente qualificação. Inconcusso que essa função qualificadora extensiva aos títulos jurisdicionais não pode ser considerada como concessão ao oficial de uma atividade revisora de atos judiciais a ele submetidos, mas ele a exerce em decorrência do encargo de guarda da segurança jurídica e da regularidade do Registro Público.”

Transcreve o Exmo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, ainda, naquele mencionado leading case, inúmeros precedentes a corroborar o seu entendimento, todos extraídos da obra anteriormente citada, de autoria da Ilustre Professora Maria Helena Diniz, senão vejamos:

AC 993-0, Iguape, 11-5-1982 – Não há distinção na lei entre títulos judiciais e extrajudiciais para fins de exame pelo Oficial do Registro de Imóveis. Ambos podem ser objeto de dúvida.

AC 1.558-0, Palmital, 3-11-1982 – Os títulos judiciais também são susceptíveis de suscitação de dúvida, na medida em que também podem não se ajustar aos princípios norteados do Registro de Imóveis.

AC 452-0, Guarujá, 11-11-1981 – Os mandados judiciais, como qualquer outro título, são suscetíveis de apreciação, pelo Oficial, à luz dos princípios normativos dos Registros Públicos. Também em relação a eles pode ser suscitada dúvida.

RT, 582:88 – A origem judicial do título não o alivia do ônus de satisfazer os requisitos de ingresso no Registro Imobiliário, mui especialmente cabendo ao oficial velar pela observância dos princípios normativos que são peculiares aos Registros Imobiliários, dentre eles, com destaque, o da continuidade dos registros.

RT, 585:85 – A origem judicial dos títulos não os alivia do exame pelo oficial, tendo em conta os princípios registrários, sendo certo que, se ao registrador não é dado objetar às partilhas julgadas, também não pode deixar de lado o controle que lhe cabe, indiscutivelmente, p. ex., sobre a obediência aos princípios da continuidade e da especialidade, RT, 551:101; 286:908 – RT, 539:103; 271.597 – RT, 517:121; 271.182; 269.827 – RT, 515:112; 980-0; 993-0.

Sendo extremamente melindroso o assunto, uma vez que alguns magistrados interpretam as exigências cartoriais como verdadeiras afrontas às suas autoridades de juízes, impondo, em contrapartida, pesadas multas diárias por descumprimento, e, em alguns casos, determinando até a prisão do serventuário; impende destacar que o exame de qualificação do título judicial e a sua eventual impugnação não é insubordinação, afronta ou desrespeito, e, menos ainda, crime de desobediência, conforme já decidiu o Excelso Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus n. 85.911-9, do qual passamos a transcrever a ementa, in verbis:

REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado.

O Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio, relator do venerando aresto acima resumido, assim consignou em seu brilhante voto condutor, in vebis:

Difícil é imaginar-se que se chegue à necessidade de impetração, no Supremo, de habeas para afastar constrangimento como o retratado neste processo. Tudo se deve à visão distorcida quanto à organicidade do Direito, às atribuições dos órgãos públicos, sendo certo que o ato da Turma Recursal, indeferindo ordem em habeas, fez-se alicerçado na premissa de que não se teria ainda recebido a denúncia. Olvidou-se não só o instituto da impetração preventiva, como também a circunstância de consubstanciar constrangimento ilegal, contexto em que, flagrantemente sem justa causa, caminha-se para a audiência preliminar prevista na Lei n. 9099/95, como se esta não alcançasse a liberdade ampla de ir e vir, no âmago, do próprio envolvido, sujeitando-o ao comparecimento a juízo em procedimento criminal.

O paciente limitou-se a cumprir dever imposto por lei, pela Lei dos Registros Públicos. Examinando título emanado da jurisdição cível especializada do trabalho – carta de adjudicação -, percebeu que não se contaria, no instrumento, com informações e peças exigidas por lei. Como lhe cumpria fazer e diante, ao que tudo indica, de resistência da parte interessada, suscitou a dúvida e aí, mediante pronunciamento que veio a se fazer coberto pela preclusão maior, o Juízo da Vara dos Registros Públicos disse do acerto da recusa em proceder de imediato ao registro, consignando, inclusive, que a observância das exigências legais, após a dúvida levantada, não seria de molde a obstaculizar a decisão.

Assim, não é indispensável definir sobre a possibilidade de se ter, como agente do crime de desobediência, pessoa que implemente atos a partir de função pública, valendo notar, de qualquer maneira, que se procedeu não na condição de particular, não considerado o círculo simplesmente privado, mas por força de delegação do poder público, tal como previsto no artigo 236 da Constituição Federal. O que salta aos olhos é a impropriedade da formalização do procedimento criminal, provocado que foi por visão distorcida do órgão da Justiça do Trabalho, como se o Direito não se submetesse à organicidade.

O oficial registrador, ao proceder ao exame qualificador de um título judicial, age no estrito cumprimento do dever legal, pois tem ele, por função maior, zelar pela segurança jurídica chancelada por seus livros e arquivos, o que somente ocorre através do exame de todos os títulos que lhes são apresentados a registro, desinfluente a origem dos mesmos, sejam eles particulares, públicos ou judiciais.

Através do exame de qualificação, os títulos registráveis submetem-se a uma criteriosa análise, na qual é verificada a sua legalidade, e se agregam, ou não, os requisitos necessários a permitir o seu ingresso no RGI. Não atendido algum requisito, como, v.g., o pagamento do imposto de transmissão, a prévia averbação da alteração do estado civil de qualquer das partes, a prévia retificação da área ou do registro do imóvel, a atualização dos confrontantes, a apresentação de CND`s do INSS ou da SRF, a averbação de construção, o registro de incorporação imobiliária etc., etc., o oficial obstará o seu ingresso e formulará exigências a serem cumpridas pela parte interessada.

Formuladas as exigências, e na hipótese do interessado no registro do título com elas não concordar, ou as considerar intransponíveis, poderá, se assim for a sua vontade, lançar mão do disposto nos arts. 198 e seguintes da LRP, deflagrando por meio de requerimento o procedimento de suscitação de dúvida, através do qual o oficial registrador submeterá a questão ao Juízo Corregedor Permanente de sua serventia, expondo todas as razões pelas quais impugnou o título.

No caso dos títulos de origem judicial, que igualmente encontram-se sujeitos aos mesmos requisitos legais que os de origem não-judicial, quando apresentados por oficial de justiça, pode (e deve) o oficial registrador suscitar dúvida ao seu Corregedor, independentemente de qualquer requerimento, quando este for o caso.

Preceitua o art. 457, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo, que cabe ao oficial suscitar dúvida em tais hipóteses, independentemente de requerimento, sendo competente para conhecer e julgar a dúvida o juiz com competência em matéria de registros públicos, in verbis:

Art. 457. Os mandados oriundos de outras comarcas, os da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal deste Estado somente serão submetidos à apreciação do juiz, com competência em matéria de registros públicos, quando houver motivo que obstaculize o cumprimento da ordem, cabendo ao oficial suscitar dúvida independentemente de requerimento, ressalvando-se a hipótese prevista no inciso IV, do art. 66, do Código de Organização Judiciária.

E registre-se que a atribuição do Juiz com competência em matéria de registros públicos para conhecer da Dúvida, a par do dispositivo anterior, também encontra lastro no art. 59, inc. VII, do Código de Organização Judiciária do Espírito Santo (Lei Complementar n. 234/02), in verbis:

Art. 59 – Compete, ainda aos Juízes de Direito, ESPECIALMENTE EM MATÉRIA DE REGISTRO PÚBLICO:
[...]
VII - dirimir as dúvidas de qualquer natureza, levantadas sobre registro público;

Assim, constatada a impossibilidade de registro do título judicial, e frente ao entendimento pacífico de que a origem judicial do título não pode livrá-lo do exame de qualificação, indiscutível o cabimento da Suscitação de Dúvida de oficio, muito embora vozes em contrário insistam em repetir que "ordem judicial é para ser cumprida e não discutida".

É o parecer, sub censura.

DR. PHELIPE DE MONCLAYR POLETE CALAZANS SALIM

sexta-feira, 18 de março de 2011

Estimativa de emolumentos e gastos fiscais em uma compra e venda no Espírito Santo. Uma abordagem prática do assunto.

Dentre os custos decorrentes de uma compra e venda, temos aqueles relativos aos emolumentos devidos aos Serviços Notariais e de Registros, os quais vamos aqui colocar sob enfoque. O que são e como estimar o seu valor.

No início, muitos se perguntaram se os emolumentos eram tarifa, enquanto outros defendiam tratar-se de taxa. Quem deu a palavra final foi o Supremo Tribunal Federal, que depois de alguma discussão acabou firmando o entendimento de que os emolumentos devidos aos Serviços Notariais e de Registros possuem a natureza jurídico-tributária de taxa.

Em razão dessa natureza tributária, aos emolumentos devem ser aplicados os princípios do Direito Tributário, como o da legalidade, anterioridade, irretroatividade, isonomia e interpretação objetiva.

Quanto à competência para sobre eles legislar, sabemos caber ela aos Estados e ao Distrito Federal, os quais a exercem com liberdade para fixar os valores que julgarem convenientes. Por isso é que os custos com a lavratura e registro de uma escritura não são os mesmos em todo o país.

O fato gerador da obrigação jurídico-tributária de recolhimento dos emolumentos será o ato notarial ou registral, o qual reproduzirá no plano fático a hipótese de incidência tributária prevista na norma.

A base de cálculo do tributo será o valor declarado para o imóvel. Se referido valor estiver em flagrante dissonância com o valor de mercado, deverá o oficial registrador utilizar como base de cálculo o valor fixado por qualquer dos órgãos públicos com competência tributária, ou seja, utilizará o valor da avaliação fiscal.

Se também o valor da avaliação fiscal se mostrar insuficiente a expressar o valor de mercado, deverá o oficial registrador submeter o caso à apreciação do Juiz Diretor do Fórum, que decidirá o impasse e fixará o valor, após concluir o procedimento administrativo previsto no Provimento CGJ n. 019/2010.

Conhecida a base de cálculo, resta saber qual é a alíquota a pagar.

A Lei Federal n. 10.169/2000, ao regular o § 2º, do art. 236 da Constituição/88, estabeleceu em seu art. 2º, III, b, que os atos específicos de cada serviço serão classificados em atos relativos a situações jurídicas sem conteúdo financeiro e atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro. Para estes últimos, determinou a lei que os emolumentos fossem fixados pelas leis dos Estados e do Distrito Federal mediante a observância de faixas estabelecendo valores mínimos e máximos.

O valor declarado ou o valor da avaliação fiscal, ou o estabelecido pelo Juiz Diretor do Fórum, conforme for o caso, será enquadrado dentro de uma das faixas de valores previstas nas tabelas integrantes da lei do Regimento de Custas. A última atualização dessas tabelas foi procedida pelo Ato n. 2.891/12/2010 da CGJ-ES.

Assim, para saber quanto custará a lavratura de uma escritura é preciso examinar a Tabela 7, item IV, B, do Ato n. 2.891/12/2010 da CGJ-ES, e nela verificar em qual faixa de valor se enquadra o valor do imóvel. Essas faixas de valores são as seguintes:



B.1. ATÉ 2.500,00                                                                  58,53
B.2   de 2.500,01 até 5.000,00                                            84,14
B.3   de 5.000,01 até 10.000,00                                       139,01
B.4   de 10.000,01 até 15.000,00                                     212,18
B.5   de 15.000,01 até 20.000,00                                     285,34
B.6   de 20.000,01 até 25.000,00                                     358,50
B.7   de 25.000,01 até 30.000,00                                     431,67
B.8   de 30.000,01 até 35.000,00                                     504,83
B.9   de 35.000,01 até 40.000,00                                     578,00
B.10   de 40.000,01 até 45.000,00                                  651,16
B.11   de 45.000,01 até 50.000,00                                   724,32
B.12   de 50.000,01 até 55.000,00                                   797,49
B.13   de 55.000,01 até 60.000,00                                   870,65
B.14   de 60.000,01 até 65.000,00                                   943,82
B.15   de 65.000,01 até 70.000,00                                1.016,98
B.16   de 70.000,01 até 75.000,00                                1.090,15
B.17   de 75.000,01 até 80.000,00                                1.163,31
B.18   de 80.000,01 até 85.000,00                                1.236,47
B.19   de 85.000,01 até 90.000,00                                1.309,64
B.20   de 90.000,01 até 95.000,00                                1.382,80
B.21   de 95.000,01 até 100.000,00                             1.455,97
B.22   de 100.000,01 até 105.000,00                           1.529,13
B.23   de 105.000,01 até 110.000,00                           1.602,29
B.24   de 110.000,01 até 115.000,00                             1.675,4
B.25   de 115.000,01 até 120.000,00                           1.748,62
B.26   de 120.000,01 até 125.000,00                           1.821,79
B.27   de 125.000,01 até 130.000,00                           1.894,95
B.28   de 130.000,01 até 140.000,00                           2.004,70                                            
B.29   de 140.000,01 até 150.000,00                           2.151,03
B.30   de 150.000,01 até 160.000,00                           2.297,35
B.31   de 160.000,01 até 170.000,00                           2.443,68
B.32   de 170.000,01 até 180.000,00                           2.590,01
B.33   de 180.000,01 até 200.000,00                           2.809,50
B.34   ACIMA DE 200.000,01                                         3.102,16

Deve-se lembrar que além do valor dos emolumentos devidos pela lavratura da escritura, deverá ser recolhido o ITBI, que é devido ao Município à alíquota de 2% (dois por cento) sobre o valor da avaliação fiscal do imóvel. Para o caso de não constar na escritura que o comprovante do pagamento desse imposto foi apresentado ao tabelião de Notas, deverá o registrador necessariamente exigi-lo por ocasião do registro.

Além dos emolumentos relativos à lavratura da escritura pública e do ITBI, serão também devidos emolumentos em razão dos atos relativos ao registro da escritura. Para tanto, teremos que verificar em qual faixa de valor prevista na Tabela 11, item I, B, do Ato n. 2.891/12/2010, se enquadra o valor do imóvel:



B.1 até 1.000,00                                                                    38,41
B.2 de1.000,01 até 3.0000,00                                             47,56
B.3 de 3.000,01 até 5.000,00                                              65,85
B.4 de 5.000,01 até 10.000,00                                            97,86
B.5 de 10.000,01 até 15.000,00                                       143,58
B.6 de 15.000,01 até 20.000,00                                       189,31
B.7 de 20.000,01 até 25.000,00                                       235,04
B.8 de 25.000,01 até 30.000,00                                       280,77
B.9 de 30.000,01 até 35.000,00                                       326,49
B.10 de 35.000,01 até 40.000,00                                     372,22
B.11 de 40.000,01 até 45.000,00                                     417,95
B.12 de 45.000,01 até 50.000,00                                     463,68
B.13 de 50.000,01 até 55.000,00                                     509,41
B.14 de 55.000,01 até 60.000,00                                    555,13
B.15 de 60.000,01 até 65.000,00                                    600,86
B.16 de 65.000,01 até 70.000,00                                     646,59
B.17 de 70.000,01 até 75.000,00                                     692,32
B.18 de 75.000,01 até 80.000,00                                     738,04
B.19 de 80.000,01 até 85.000,00                                     783,77
B.20 de 85.000,01 até 90.000,00                                     829,50
B.21 de 90.000,01 até 95.000,00                                     875,23
B.22 de 95.000,01 até 100.000,00                                   920,95
B.23 de 100.000,01 até 105.000,00                                966,68
B.24 de 105.000,01 até 110.000,00                             1.012,41
B.25 de 110.000,01 até 115.000,00                             1.058,14
B.26 de 115.000,01 até 120.000,00                             1.103,86
B.27 de 120.000,01 até 125.000,00                             1.149,59
B.28 de 125.000,01 até 13.000,00                               1.195,32
B.29 de 130.000,01 até 140.000,00                             1.263,91
B.30 de 140.000,01 até 150.000,00                             1.355,37
B.31 de 150.000,01 até 160.000,00                             1.446,82
B.32 de 160.000,01 até 170.000,00                             1.538,28
B.33 de 170.000,01 até 180.000,00                             1.629,73
B.34 de 180.000,01 até 200.000,00                             1.766,91
B.35 ACIMA 200.000,01                                                 1.949,82

Deverão ser recolhidas, ainda, as taxas de digitalização da escritura, no valor de R$ 3,80 (três reais e oitenta centavos) por cada folha de uma face; e a de processamento de dados, no valor de R$ 3,80 (três reais e oitenta centavos) por lançamento. Se o ato de registro da escritura importar na necessária abertura de matrícula, deverá ser recolhida uma taxa no valor de R$ 10,98 (dez reais e noventa e oito centavos).

É sempre bom lembrar que outros atos também poderão se fazer necessários para que a escritura possa ser levada à registro. Pode ser necessário, por exemplo, proceder averbações de atualização de estado civil de uma ou de ambas as partes, alteração de nome de logradouro, averbação de cancelamento de registro de gravames e outras mais situações. Esses atos também são tributados em emolumentos.

Conforme o Ato n. 2.892/12/2010 da CGJ-ES, a averbação classifica-se em averbação sem valor declarado e averbação com valor declarado. Na averbação sem valor declarado, o valor dos emolumentos é de R$ 29,24 (vinte e nove reais e vinte e quatro centavos); e na averbação com valor declarado, o valor dos emolumentos é de 50% (cinqüenta por cento) do valor dos emolumentos previstos no item I, B, da Tabela 11, limitados ao teto de R$ 1.949,82 (mil, novecentos e quarenta e nove reais e oitenta e dois centavos) por empreendimento.

Sobre os emolumentos devidos em razão dos atos lançados nos livros de notas e de registros será devido o valor adicional de 1/10 (um décimo), destinado ao custeio do FUNEPJ. Também incidirá a contribuição destinada ao FARPEN, prevista na Lei n. 6.670/01 e cobrada nos seguintes valores fixos: R$ 27,07 (vinte e sete reais e sete centavos) na lavratura da escritura com valor declarado e R$ 18,27 (dezoito reais e vinte e sete centavos) no seu registro, tudo conforme previsto no Ato n. 2.892/12/2010 da CGJ-ES.

EXEMPLO PRÁTICO: na compra e venda de um imóvel de R$ 100.000,00 (cem mil reais), formalizada por uma escritura de 04 (quatro) folhas de face, sem necessidade de abertura de matrícula ou de qualquer prévia averbação junto ao CRGI, podemos fazer a seguinte estimativa:



Pagamento para o Município:
ITBI para o Município (2%)..............R$ 2.000,00

Pagamento para o Cartório de Notas:
Escritura (Tab. 7, item IV, B.21).....R$ 1.455,97
FUNEPJ.............................................R$   145,60
FARPEN............................................R$     27,07

Pagamento para o CRGI:
Registro (Tab. 11, item I, B.22)........R$    920,95
Digitalização (04 folhas de face)......R$     15,20
Processamento de dados.................R$       3,80
FUNEPJ...............................................R$     94,00
FARPEN............................................. R$     18,27


Demonstradas as obrigações decorrentes da lavratura e registro de uma escritura de compra e venda, perguntamos a quem incumbirá o pagamento dessas despesas? Ao comprador ou ao vendedor?

Na verdade, comprador e devedor poderão estabelecer de comum acordo a qual deles caberá pagar os emolumentos com a escritura e o registro, avença que poderá inclusive constar em disposição contratual preliminar.

Porém, se o contrato não estabelecer qual das partes no negócio deverá suportar referidas despesas, a regra a aplicar é aquela do art. 490 do Novo Código Civil: “Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as de tradição”.

Saliento que essa regra não vale para estabelecer o sujeito passivo da obrigação jurídico-tributária perante os Serviços Notariais e de Registro, pois para eles quem deverá pagar será aquele que requereu o ato ou apresentou o título a registro.

Especificamente com relação aos Serviços de Registro de Imóveis, estabelece o art. 14, caput, da Lei Federal n. 6.015/73, o seguinte: “Art. 14. Pelos atos que praticarem, em decorrência desta Lei, os Oficiais de Registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato do requerimento ou no da apresentação do título.”

Além dos emolumentos devidos aos cartórios e do ITBI, outras obrigações acompanham a negociação de compra e venda.

Se o imóvel for aforado, teremos o laudêmio a recolher. A alíquota do laudêmio é de 2% (dois por cento) ou 5% (cinco por cento) sobre o valor da avaliação fiscal, dependendo de quem for o senhorio direito (Município ou União). Lembro que a enfiteuse não consta no rol dos direitos reais do Novo Código Civil, continuando o aforamento dos terrenos de marinha, contudo, regidos por leis especiais.

A negociação poderá também importar na obrigação de pagar o lucro imobiliário e terá reflexos na declaração de imposto de renda de comprador e vendedor. Aquele que comprar imóvel com recursos próprios deverá comprovar na sua declaração de I.R. ter caixa suficiente, caso contrário será tributado. Poderá eventualmente ser interpelado pela SRF para fins explicar a origem do dinheiro utilizado na compra.

Informo que os Serviços Notariais e de Registros emitirão em forma eletrônica a Declaração de Operação Imobiliária-DOI para a Secretaria da Receita Federal informando a operação e dados a ela relativos, inclusive numeração de CPF e/ou CNPJ das partes.

Diante de toda a complexidade de relações jurídicas que envolvem uma simples compra e venda, só podemos terminar este artigo concluindo que para uma negociação imobiliária ser feliz, por mais simples que ela possa parecer, é sempre indispensável planejamento e conhecimento, bem como é salutar saber estimar o valor das despesas com emolumentos e impostos.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Considerações sobre a cessão de direitos hereditários


Sabemos que com o falecimento do autor da herança abre-se a sucessão causa mortis. Pelo conhecido princípio da saisine, no exato momento da morte ocorre a transferência imediata da posse e da propriedade dos bens do de cujus a seus herdeiros legítimos e testamentários, não dependendo essa transmissão de nenhum ato posterior.

Preceitua o art. 1.784 do Código Civil que:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Essa transmissão ocorre ex lege, independentemente do registro imobiliário. No caso, o registro do formal de partilha ou da carta de adjudicação, conforme for o caso, apenas será realizado em respeito ao Princípio da Continuidade. Assim, no caso da saisine, não será o registro um o ato de transmissão do direito real sobre os imóveis que compõem a herança, mas apenas um ato que será praticado para fins de publicidade e para manter-se íntegros os elos da cadeia dominial junto ao Fólio Real Imobiliário.

É sempre importante lembrar que o próprio direito à sucessão aberta, em si já é considerado um bem imóvel, ex vi do legal art. 80, II, Código Civil, que preceitua o seguinte:

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: [...]
II – O Direito à sucessão aberta;

Não importa se a herança é composta por bens exclusivamente móveis ou direitos pessoais. Enquanto não houver a partilha, ou seja, enquanto permanecer o estado de indivisão da herança, serão todos eles juntos considerados um bem imóvel por ficção legal.

Importante também lembrar que a herança é transferida pela saisine como um todo unitário, não importando quantos sejam os herdeiros, e isso por força do art. 1.791, caput, do Código Civil:

Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

Esse direito à sucessão aberta, considerado por lei um imóvel, conforme o art. 1.793, caput, do Código Civil, pode ser cedido por parte de seu titular:

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

Podem os herdeiros, portanto, dispor dos respectivos direitos hereditários cedendo-os ao cônjuge meeiro, a outros herdeiros ou mesmo a terceiros. Contudo, existindo limitações impostas a esse direito de dispor, como, por exemplo, se constar cláusula de inalienabilidade.

Existe a necessidade de que a cessão seja formalizada por escritura pública. Isso é uma decorrência lógica da própria natureza da herança, considerada bem imóvel até que ocorra a partilha. Sendo um bem imóvel, deve ser observada forma solene.

O direito de dispor do direito hereditário também encontra limites para o seu exercício quanto à necessidade de observância do direito de preferência previsto no art. 1.794 do CC:

Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua cota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.

Sendo considerado um bem imóvel por ficção da lei, necessário se faz a outorga conjugal, com exceção apenas no regime da separação absoluta, e isso por força do art. 1.647, I, do Código Civil:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

A outorga deve ser dada na própria escritura de cessão, em observância ao art. 220 do Código Civil:

Art. 220. A anuência ou autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que possa, do próprio instrumento.

Do mesmo modo, em se tratando de cessão onerosa de ascendente para descendente, há necessidade do consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante, que deverá ser dado também na própria escritura. Preceitua o art. 496 do Código Civil que:

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

A interpretação do artigo, muito embora a sua literalidade fale em “venda”, deve-se estender-se a todo e qualquer ato oneroso de disposição.

Falando o art. 496 em descendentes, em se tratando de filho pré-morto, os herdeiros deste passam a integrar a herança pelo chamado direito de representação. Portanto, os netos do autor da herança deverão integrar a escritura pública, ao lado dos demais descendentes, a fim de consentirem na cessão onerosa.

Assim, se A morre deixando cinco filhos: B, C, D, E e F, mas B é pré-morto, os eventuais filhos de B assumirão seu lugar por meio do direito de representação previsto no art. 1.851 do Código Civil:

Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo fosse.

Uma decorrência da indivisibilidade da herança é a de que se torna ineficaz a cessão pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança singularmente considerado, por força do que dispõem os §§ 2º e 3º do art. 1.793 do Código Civil:

§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Assim, uma herança composta de um apartamento, uma loja comercial, uma casa de praia, um sítio, dois carros, aplicações financeiras e jóias, com três herdeiros, até que se ultime será considerada unitariamente. Cada herdeiro terá uma fração correspondente a 1/3 do todo.

Não se pode, portanto, individualizar um bem para o fim de cedê-lo. E se o fizer, o negócio será ineficaz, ou seja, não produzirá efeitos com relação ao Juízo da Sucessão e aos demais herdeiros.

Existe entendimento no sentido de ser desnecessária a autorização judicial se todos os herdeiros participarem da escritura, seja alienando, seja anuindo na cessão, isto é, se todos alienarem o direito hereditário não haverá necessidade de alvará.

Pretendendo o herdeiro ceder sua cota hereditária a terceiro, sobre um bem considerado individualmente, deverá requerer ao Juízo da Sucessão autorização para tal negócio, materializada através de Alvará, a ser requerido pelo inventariante e ouvidos todos os interessados.

Não se individualizando bens, poderá o herdeiro dispor do seu quinhão com liberdade, respeitada a preferência dos demais co-herdeiros. Assim, se um herdeiro detiver um quinhão de 30%, poderá ceder 10%, 25%, 20% ou quanto quiser, até todo o quinhão.

Não se permitindo a individualização dentro da universalidade jurídica, poderá o herdeiro dispor parcial ou totalmente de sua parte na herança, mas sempre sem especificar bens. Se o fizer, o negócio será ineficaz, não custa lembrar.

Também não poderá ceder a pessoa estranha sem antes oferecer aos demais herdeiros, pois têm eles o direito de preferência, lembrando sempre que trata-se de um condomínio sobre imóvel por ficção legal e que só se ultimará com a partilha.

Preceitua o art. 1.795, caput, Código Civil, que:

Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositando o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão.

Os co-herdeiros deverão ser notificados para fins de exercer a preferência, sendo que a notificação deverá conter preço, prazo e forma de pagamento. O prazo não poderá exceder a cento e oitenta dias, sendo que na falta de estipulação de prazo, este será de sessenta dias, conforme a regra do art. 516 do Código Civil:

Art. 516. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos sessenta dias subseqüentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.

O co-herdeiro interessado na aquisição do bem ou quota cedida, ciente do negócio a ser realizado, também poderá notificar o co-herdeiro cedente, informando do seu interesse no negócio.

Saliente-se que os co-herdeiros têm preferência na aquisição somente se se tratar de negócio jurídico oneroso. Nesse sentido é a doutrina de Nelson Nery Júnior, Rosa Maria Andrade Nery e Maria Helena Diniz, dentre outros.

O prejudicado, depositando o preço do negócio, poderá haver para sí a quota cedida a estranho. O prazo de decadência para pedir a anulação do negócio é de cento e oitenta dias contado da lavratura do ato notarial.

Sendo o co-herdeiro incapaz, deverá haver requerimento dirigido ao Juízo da Sucessão, ouvidos o curador e o Ministério Público.

Se mais de um co-herdeiro se interessar pela aquisição do bem ou quota hereditária, o objeto da cessão ser-lhes-á distribuído na exata proporção do quinhão de cada interessado, segundo o parágrafo único do art. 1.795 do Código Civil:

Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.

Para Maria Helena Diniz, não ocorre o direito de preferência entre co-herdeiros, da mesma forma que não ocorrerá se a cessão for a terceiro, mas gratuita.

Contudo, sendo o direito dos co-herdeiros até a partilha regidos pelas regras inerentes ao condomínio, inegável o direito de preferência entre os co-herdeiros quando houver desigualdade de quinhões, por força do art. 1.118, III, do Código de Processo Civil, e dos arts. 504, caput, e 1.322, caput, do Código Civil:

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Art. 1.118. Na alienação judicial de coisa comum, será preferido:
[...]
III – o condômino proprietário de quinhão maior, se não houver benfeitorias.

CÓDIGO CIVIL
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Art. 1322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudica-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na veda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Assim, se em um acervo hereditário com quatro herdeiros (A, B, C e D), o co-herdeiro A quiser ceder sua quota de 25% do ao co-herdeiro B, poderá fazê-lo sem se preocupar com os demais. Mas, uma vez realizada essa cessão, o co-herdeiro B passará a ter uma quota hereditária correspondente a 50% do acervo hereditário, passando a possuir um quinhão maior e passando agora a ter preferência no caso de novas cessões eventualmente que venham a ser realizadas por C e D.

É também o caso do cônjuge meeiro, se este houver. Se algum dos co-herdeiros quiser ceder sua quota hereditária a estranho, deverá obter a aquiescência do cônjuge meeiro e dos demais co-herdeiros. E se quiser alienar sua quota a um outro co-herdeiro, deverá primeiramente oferecê-la ao cônjuge meeiro, para que exerça a preferência.